“Minha Fortaleza, os Filhos de Fulano“ inspira debate sobre mães solo e mulher no cinema

Dirigido por Tatiana Lohmann, o documentário "Minha Fortaleza, os Filhos de Fulano” inspirou um potente debate sobre a mulher na sociedade e no cinema nesta segunda-feira (16), o penúltimo dia do FIM20. Realizado no YouTube, o painel foi promovido pelo festival em parceria com o F.A.M.A - Fundo Avon de Mulheres no Audiovisual.
Contemplado pela edição 2018 do F.A.M.A., "Minha Fortaleza, os Filhos de Fulano” conta a história de três famílias afetadas pela ausência paterna e que vivem na Vila Flávia, no bairro paulistano de São Mateus. Tatiana contou que o projeto começou em 2003, quando o rapper Macário a convidou para dirigir o clipe de uma música que tinha feito para a mãe e a filmar o momento em que faria uma tatuagem em homenagem a ela. Ao perceber que esse tipo de tributo era bastante comum, a cineasta decidiu que ali havia um filme. “Então eu não escolhi esse projeto, fui escolhida”, comentou.
Foram muitos anos de dedicação intermitente ao projeto, durante os quais Tatiana se aproximou bastante das famílias e matriarcas que retratou. Foi o caso de Vera Pereira, a dona Vera, que durante o debate contou ter gostado da experiência de participar do documentário. “No começo fiquei surpresa e acanhada. Quando a Tati disse que [as filmagens seriam] o meu dia a dia, fiquei mais à vontade”, contou. “Foi super bacana, se tiver outro filme quero fazer também!”
Um dos temas abordados pelo longa é a idealização que os filhos, sobretudo homens, fazem destas mães. Em alguns casos, isso faz com que elas tenham dificuldade para navegar por outros aspectos de suas vidas e estejam presas à uma imagem de força e luta constante. “É muito bonito que essas mulheres sejam as grandes heroínas da periferia. Por outro lado, será que era isso que elas queriam?”, questionou Tatiana.
Dona Vera contou que se mostrar neste lugar de "fortaleza" era uma maneira de evitar que os filhos tomassem caminhos equivocados na tentativa de ajudá-la. “[Como mãe solo], às vezes você tem um dia apertado e muito triste. Quando chega em casa, tem de passar que está bem”, afirmou. “Sempre procurei me mostrar forte e feliz. Mas, às vezes, só seu travesseiro sabe.”
A nora de dona Vera, Jô Maloupas, também participou do filme e do debate, e falou sobre a admiração que sente pela sogra e por mulheres como ela. “É muito difícil ver como dentro das comunidades e da periferia, as mulheres têm de ser fortes o tempo todo por falta de opção”, comentou. "A gente luta por igualdade de gênero, e dentro dessa igualdade de gênero a gente quer, sim, o tempo de poder respirar, e que as pessoas cuidem em vez de julgar.”
O debate também abordou o contexto da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), que escancarou muitas das desigualdades retratadas pelo filme. De acordo com dados do IBGE, 57% das 11,5 milhões de mães solo do Brasil vivem abaixo da linha da pobreza. Com escolas, creches e negócios fechados, e dentro de um cenário de desemprego e crise econômica, formam um grupo especialmente vulnerável. “Agora é que vem a pandemia”, disse dona Vera. “O vírus já está presente e vai continuar, mas a pandemia da fome, do aperto, vai vir agora.”
O debate ainda tocou na questão do financiamento para as mulheres no cinema, também abalado pela pandemia e pela situação política brasileira. Tatiana falou sobre o desejo de atuar cada vez mais para fortalecer realizadores com diferentes perspectivas. “O movimento de diversificação da narrativa é o mais importante que está acontecendo no audiovisual”, definiu.
Idealizadora do FIM e jurada da edição do F.A.M.A. que contemplou "Minha Fortaleza, os Filhos de Fulano”, Minom Pinho comentou que este movimento norteou a atuação do fundo. “Buscamos selecionar a partir de um recorde regional múltiplo, contemplando a diversidade e narrativas potentes, com histórias que pudessem dar conta da desconstrução de estereótipos”, explicou. "Disto se construiu uma rede de luta e de afetos."
Coordenadora de comunicação da Avon e uma das criadoras do F.A.M.A., Caroline Duarte disse que o momento complexo e atípico não nos dá respostas fáceis sobre o futuro. “Mas a gente não pode dar um passo para trás”, alertou. “É uma questão de pensarmos como vamos nos articular para continuarmos avançando e inovando. Não dá mais para construir um mundo em que a maior parte está à margem."
O debate foi mediado por Luísa Pécora, criadora do Mulher no Cinema. Assista à conversa na íntegra aqui
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