Crítica Elviras: Slam: Voz de Levante
SLAM: VOZ DE LEVANTE
Por Taiani Mendes
De Chicago, em 1984, surge um movimento, um evento, uma moda, um esporte, uma arte, uma comunidade, um grito. Poetry slam, competição em que a declamação de poesia se aproxima do hip-hop e do teatro, exigindo performance, ritmo, originalidade e provocando reações acaloradas do público, é o tema deste documentário dirigido por Tatiana Lohmann e Roberta Estrela D’Alva. “Embaixadora oficial” do slam no Brasil, a precursora Roberta é quem guia o espectador nesta espécie de imersão em tal universo, composta por registros e andanças de quase uma década que compõem um recheado diário de viagem. Jornada orientada por curiosidade, inquietação e paixão; anos e experiências que levam Estrela D’Alva de slammer desbravadora a segura mestre de cerimônias.
Testemunhamos num só registro a evolução dela e do slam no país, e quem cai de paraquedas no filme, sem qualquer noção do que as quatro letras significam, recebe logo nos primeiros minutos um exemplo de seu impacto e uma explicação simples e direta do que é. Não é preciso mais. Ou se é movido pela potência das palavras ou pelo clima de disputa acirrada e, a partir de então, o longa-metragem passa para questões avançadas, como histórico, influências, consequências e o debate em torno do (estressante) aspecto competitivo das apresentações.
Defendido como uma nova forma de arte popular, ainda que atos semelhantes já ocorressem na Grécia Antiga, o slam tem uma força incrível para gerar conversas sobre diversos temas e unir pessoas de todas as idades, tribos e origens, o que o documentário consegue retratar e explorar. Apesar de ter sido criado por um esnobe homem branco americano, tornou-se poderosa arma das minorias e o filme felizmente segue essa inclinação destacando negras, periféricos e LGBTs. Sim, pode ser uma revolução e obviamente ela envolve tomada de lugares privilegiados, empoderamento, destruição de padrões e tensão racial - comentada brevemente, mas sempre presente de maneira incontornável.
O slam está intimamente ligado ao rap (que significa justamente “ritmo e poesia”) e isso, mais o notório preconceito que o gênero e a cultura hip-hop sofrem de certas classes, é bastante abordado no longa-metragem. No entanto, se o estilo musical é o pai, pode-se dizer que a poesia escrita é a avó, e seria interessante ouvir o que têm a dizer alguns poetas especializados no papel sobre esse agitado herdeiro.
Restrito nacionalmente a São Paulo, onde a cena se desenvolveu com maior velocidade, Slam: Voz de Levante tem um “problema” que muitos diretores gostariam de ter: o excesso de pautas. A montagem apática não consegue salvá-lo de certa dispersão, ainda que amarre o ato final com a estratégia de full circle, e tem imagem sobrando, especialmente registros típicos de turismo na França, quando a ideia de entrada em novos espaços e quebra de barreiras já está mais do que colocada.
Tal e qual as representantes do Brasil na Copa do Mundo de Poetry Slam (ela existe!), que desejam ganhar e se comunicar com o público – o famoso win win –, as diretoras não assumem uma maneira só de ver o show poético. Boa parte do filme é dedicado às performances, porém, conforme a conclusão se aproxima, as emoções afloradas nos concursos passam a brilhar e, como se a joia da aflição de embate fosse mais valiosa do que as mensagens disparadas por vezes com enorme fúria, a competição domina e vence. Os concorrentes não têm suas poesias legendadas, a apresentação de Luz Ribeiro em etapa decisiva não é mostrada na íntegra e amargo é o sabor da minimização do que o slam tem de mais potente: o momento de cada participante diante do microfone, seu discurso.
Estranhamente é à música dada a responsabilidade de bater no peito do espectador no encerramento, mas é inegável que a essa altura um novo território foi ocupado e vozes chegaram mais longe. No cinema o slam já não é invisível.