Adriana Lopez Sanfeliu fala sobre desafios de filmar “retrato pessoal” de Elliott Erwitt
Por Luísa Pécora
Depois de três anos acompanhando o fotógrafo Elliott Erwitt em viagens pelo mundo, a também fotógrafa Adriana Lopez Sanfeliu lhe fez uma proposta: publicar um livro com alguns registros que ela fizera nos vários países pelos quais passaram. Então com 87 anos, o artista americano respondeu com uma provocação: “Por que você não faz um documentário antes de eu bater as botas?”. Sem experiência no cinema, Adriana se surpreendeu, mas aceitou. O resultado é "Elliott Erwitt - O Silêncio Cai Bem", selecionado para a mostra internacional do FIM20.
Nascida e criada em Barcelona, Adriana estudou história da arte, design gráfico e fotografia documental, dividindo-se entre a Espanha e os Estados Unidos. Além de assistente, ela também tornou-se amiga de Erwitt, um dos mais importantes fotógrafos americanos, que entrou para a Magnum em 1953, registrou presidentes, papas, estrelas de cinema, anônimos e (muitos) cachorros, além de também ter realizado seus próprios filmes nos anos 1970 e 1980.
Em seu primeiro longa-metragem, Adriana optou por oferecer um olhar pessoal sobre a carreira do fotógrafo. Não há narrativa cronológica sobre a trajetória de Erwitt, nem entrevistas com amigos e colaboradores, e quase nenhuma informação sobre sua vida familiar. Quando tenta entrevistar seu próprio personagem, a diretora em geral recebe respostas curtas e um tanto mal-humoradas, ainda que espirituosas e inteligentes. Se por um lado a resistência a surpreendeu, também revelou a essência de um artista que prefere falar por suas imagens e para quem, como o título revela, o silêncio soa bem.
Leia a entrevista com Adriana Lopez Sanfeliu:
A ideia do documentário foi do próprio Elliott, mas vemos que ele resiste bastante às suas perguntas. Essa resistência foi surpreendente ou você já a esperava?
Acho que, quando fez a proposta, ele ficou animado, pensou que ia ser divertido. Depois, ambos percebemos uma série de desafios e medos. Não esperava a resistência porque somos amigos e de certa forma o projeto se originou do fato de gostarmos de passar tempo juntos. Mas depois entendi que era normal. Ele estava sendo visto e gravado, estava pensando sobre sua trajetória numa certa fase da vida. Acho que o filme o fez encarar suas próprias limitações, sua idade. Ele chegou a me dizer que gostaria que tivéssemos nos conhecido dez anos antes e feito o documentário em outra época. Percebi que o filme tocava na ideia de mortalidade. Acho que qualquer pessoa teria essas dúvidas e certamente Elliott, que não gosta de fazer grandes declarações e prefere falar por sua fotografia.
Como fez para driblar essa resistência?
O que fiz foi continuar tentando. Tive de ser muito paciente e muito amorosa, o que não foi difícil, porque ele é uma pessoa muito querida para mim. Tive de entender que as questões eram delicadas e tive de ser criativa também. Alguns dias eu não ligava a câmera, em outros ligava. Fui perseverante e gentil.
Seu documentário não se propõe a narrar a trajetória completa de Elliot, nem tem entrevistas com colegas ou familiares. Essa decisão foi tomada desde o começo ou refletiu a resistência às entrevistas?
Desde o início sabia que seria um retrato pessoal. Não tinha nenhum interesse em fazer uma documentário histórico biográfico, contar como foi sua infância, mostrar várias pessoas falando sobre ele e dando opiniões sobre seu trabalho. Pensei que qualquer outra pessoa poderia fazer isso. O que eu tinha de único era o meu acesso, o fato de ser próxima a ele. Entendi que a abordagem mais honesta era falar do que sei, ou seja, fazer uma homenagem a este grande fotógrafo contando sua história como amiga.
O que ele achou do filme?
Não mostrei nada durante o processo, porque achei que isso tornaria as coisas mais difíceis. Disse a ele: é o meu filme, a minha visão sobre você. Na etapa de finalização, cerca de três anos depois de o projeto começar, mostrei um corte bruto para ele e a sua família. Ele ficou em silêncio, como de costume, então perguntei se tinha gostado. E ele disse: “Como poderia não gostar? Estou lisonjeado!” Já os familiares aplaudiram de pé e disseram que eu tinha capturado a essência de Elliott. Isso significou muito. Foi um alívio que ele e sua família tenham gostado, porque existiam dúvidas sobre se eu daria conta de fazer um documentário sobre alguém tão importante, principalmente considerando que eu era fotógrafa, não cineasta.
Você tinha essa dúvida também?
Tinha. Me perguntava: será que estou preparada para retratar alguém, principalmente alguém que já tem uma imagem pública? Ele é uma figura muito importante no mundo da arte e não queria fazer uma homenagem pobre. Queria ficar à altura de sua carreira e de sua persona, e ao mesmo tempo fazer algo pessoal, honesto e íntimo. Também foi muito difícil encontrar a linha certa dessa intimidade. Não queria ser exibicionista e fazer um filme sobre os meus sentimentos e emoções, mas também não queria ser seca e distante. Queria fazer um documentário pessoal, mas quão pessoal? O que você compartilha e o que não compartilha? Queria falar sobre como me sinto em relação ao Elliott, mas não assumir a posição da grande conhecedora que vai te dar uma aula. Então tinha muitas perguntas, muitas dúvidas.
Mas você gostou da experiência de dirigir? Pretende continuar fazendo filmes?
Sim, gostei muito. Foi um aprendizado enorme, e percebi que é muito importante ter uma boa equipe com a qual você possa contar. Comecei o projeto produzindo, dirigindo, filmando e gravando o som sozinha. Estou acostumada a trabalhar assim, porque é o que acontece na fotografia, mas no cinema é mais complexo. Foi um grande desafio e exigiu muita energia. Na parte final das filmagens consegui um coprodutor, e aí pude contar com uma equipe para fazer as últimas imagens, pós-produção, edição, edição de som. Foi fantástico ter essa troca com pessoas criativas, trabalhar em equipe. Quero continuar fazendo cinema, mas não sozinha.
Como é ter o filme exibido no Brasil e no FIM?
Nunca fui ao Brasil, mas é um país que o Elliott adora. Gostaria de poder ter estado com vocês e ouvido as reações da plateia, pois é muito interessante ver como cada lugar recebe o filme. Mas estou muito honrada e animada com a exibição no Brasil e com o fato de fazer parte de um festival que celebra as mulheres cineastas - as mulheres como profissionais, artistas, criadoras. É importante nos empoderarmos e valorizarmos o que fazemos.
Que conselho você daria para as mulheres que querem trabalhar no cinema?
Não é um conselho específico para as mulheres, nem se refere apenas ao cinema, mas encorajo todas as pessoas a fazer o que amam, a seguirem sua paixão e sua intuição. Se você acredita em alguma coisa, se você se importa com ela, se tem uma história que precisa contar ou algo que precisa criar e compartilhar, faça isso. Os desafios vão aparecer, mas nada vai te parar. Então eu diria: vá em frente! Vá em frente e encontre as possibilidades.
Luísa Pécora é jornalista e criadora do Mulher no Cinema (www.mulhernocinema.com)