Masterclass Claire Denis: o que aprendemos com a icônica cineasta no FIM20

para uma masterclass inédita e exclusiva que integrou a programação do FIM20 e pode ser assistida aqui (até 13/12). Homenageada pela segunda edição do festival, a icônica cineasta francesa falou sobre sua carreira e refletiu sobre os mais diferentes temas em uma conversa via Zoom com Robert Milazzo, da Modern School of Film de Nova York.
O cenário intimista e o formato virtual refletem o impacto da pandemia em todas as esferas sociais, inclusive no cinema. Como tantas pessoas, Claire viu seus planos serem alterados pelo vírus, tendo de adiar filmagens com o cantor The Weeknd em Los Angeles, e a produção de “The Stars at Night”, que seria seu próximo longa e a segunda colaboração com o ator Robert Pattinson. E como uma artista que tantas vezes se mostrou atenta às desigualdades e centrou suas histórias em outsiders e pessoas em busca de um lugar para si, a cineasta também se sensibiliza às angústias e dúvidas da era Covid-19. Dias antes da gravação, quando voltava para casa após presidir o júri da mostra Horizonte do Festival de Veneza, ela notou as muitas lojas fechadas e os sinais de “aluga-se”. “Tantas pessoas estão sofrendo”, lamentou a diretora. “Mesmo que eu esteja na minha cozinha, com meus feijões e meu macarrão, ninguém pode viver bem se tantas pessoas estão em situação pior.”
Claire nasceu em 1946 em Paris, mas passou a infância em diferentes países do oeste da África, experiência que inspirou "Chocolate" (1988), sua estreia na direção, e reverberou em vários de seus 14 longas. Celebrada por filmes como "Bom Trabalho" (1999), "Desejo e Obsessão" (2001), "35 Doses de Rum" (2008), "Minha Terra, África" (2009), "Deixe a Luz do Sol Entrar" (2017) e "High Life" (2018), a diretora é conhecida por um cinema visualmente arrebatador que se revela aos poucos, sem explicações ou respostas fáceis. Ao mesmo tempo em que abordam temas complexos, por vezes tidos como controversos, os filmes de Claire são daqueles em que a trama não é o mais importante.
O processo criativo da cineasta envolve múltiplos estímulos e não uma busca consciente pela “ideia” do próximo filme. “Tenho necessidade de fazer coisas físicas, porque filmar também é físico”, disse a diretora, citando como exemplo nadar, andar de bicicleta e ir ao mercado. Se David Lynch compara as ideias a peixes, Claire Denis usa a metáfora de uma baleia que nada com a boca aberta e, assim, vai se alimentando de inúmeros animais minúsculos. “Não se trata de buscar uma ideia, apenas de estar lá com a boca aberta - ouvir música, ler, ver filmes”, afirmou. “[Nesse processo] uma espécie de forma se cristaliza e você começa a trabalhar para entender como essa forma vai funcionar no filme.”
Cinema livre
Durante a masterclass, a cineasta também falou sobre financiamento e usou Bom Trabalho para exemplificar como as limitações de tempo e dinheiro a forçaram a encontrar alternativas para realizar seus projetos. Inicialmente, Claire esperava contar com o suporte da Legião Estrangeira Francesa durante as filmagens no Djibuti. A instituição, ao contrário, impôs dificuldades à produção por considerar que Bom Trabalho era “um filme pornô gay”. Como resultado, foi preciso reduzir custos e buscar soluções criativas. Uniformes e bandeiras foram costurados pela equipe de figurino e cenas mais caras de rodar, como a do acidente aéreo, tiveram de ser resolvidas de outra forma: no caso, um pedaço de helicóptero encontrado pela produção foi colocado no mar.
“Estávamos em uma situação dramática todos os dias, mas isso nos deixou totalmente livres”, afirmou Claire. "Eu não tinha dinheiro, mas tinha muita coisa: os atores, a equipe, a câmera, a magnífica República do Djibuti, o Exército do Djibuti me ajudando com o pouco que tinha. E era isso.”
A cineasta, porém, descartou qualquer romantização da falta de recursos ou a ideia de que as limitações potencializam a criatividade. “Me dá certa paz e liberdade pensar que [com um orçamento pequeno] o produtor não vai falir nem ter de despedir todo mundo que trabalha no escritório. Mas não quero que [novos cineastas] pensem que esse tipo de situação te deixa mais criativo. Não, isso não é verdade.”
“É preciso adorar o ator”
O trabalho com atores também foi discutido na masterclass, já que Claire é conhecida por escalar os mesmos artistas várias vezes, incluindo Isaach de Bankolé, Vincent Gallo, Béatrice Dalle, Juliette Binoche, Grégoire Colin e Alex Descas, seu parceiro mais emblemático, com quem colaborou em 11 filmes. O mais recente queridinho da diretora é Pattinson, que em entrevistas comparou o set de High Life com "teatro experimental”.
Na masterclass, Denis disse que “respeita demais” os atores para experimentar com eles. “A única pessoa com quem posso experimentar sou eu mesma”, afirmou. A cineasta também detalhou como se deu o convite para que Mati Diop estrelasse "35 Doses de Rum", que integra a programação do FIM20, já que ela não era atriz e estudava para ser diretora (seu primeiro longa, Atlantique, foi premiado em Cannes em 2019). “Eu disse a ela: ‘Venha. Não se preocupe em atuar, apenas esteja no set e tire tudo o que você deseja de mim. Você está convidada. A gente está te convidando, você é parte de nós.’”
Claire também contou que raramente faz testes de elenco, pois consegue perceber rapidamente se a relação com um determinado ator vai ou não dar certo. “Não preciso testar alguém, prefiro me apaixonar por alguém”, explicou. “Não há como dirigir um ator sem adorar o ator. É loucura, é impossível.”
Questionada por Robert Milazzo sobre se pensava em seu legado, Claire foi enfática: “Não, não, não.” Ela então fez uma bonita referência a uma cena de “Tokyo-Ga” (1985), filme dirigido por Wim Wenders, para quem fez assistência no início da carreira, sobre o cineasta Yasujirô Ozu (1903-1963), de quem é grande admiradora. A cena mostra o túmulo de Ozu, que leva apenas o símbolo japonês para o abstrato conceito de “Mu”. “É nada concreto, nem mesmo um nome ou uma idade”, explicou. “Apenas um espaço, algo.”
* Luísa Pécora é jornalista e criadora do site Mulher no Cinema
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O longa-metragem Deixe a Luz do Sol Entrar também está por lá, acesse aqui até 12 de dezembro.
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