filmes feitos por mulheres sobre tudo para pessoas
Era O Hotel Cambridge [2016], Eliane Caffé
Mostra Lute Como Uma Mulher
Nos últimos anos, movimentos feministas tomaram as pautas
dos principais festivais e prêmios cinematográficos no Brasil e no mundo. As
condições desfavoráveis de trabalho das mulheres na indústria do cinema
ganharam força e proporção inéditas na história. Grandes estrelas da sétima
arte ergueram a voz por melhores condições de trabalho, pelo fim do assédio,
pela equiparação de salários nas produções, pelo fim dos estereótipos femininos
comumente reproduzidos em tela, influenciando políticas públicas e mudando
paradigmas de mercado.
Quantas narrativas cinematográficas estão sendo conduzidas
por mulheres? Quantos personagens no documentário, ficção, animação são
mulheres? O que dizem esses personagens sobre as mulheres que conhecemos ou que
queremos ver atuando no mundo? Possuem nome, fala, complexidades? Ou surgem em
tela apenas para endossar o protagonismo dos personagens masculinos? As
políticas públicas de financiamento ao cinema estão perpetuando a desigualdade
de gêneros ou caminhando para a equidade?
Num momento de intenso crescimento do consumo de conteúdos
audiovisuais em múltiplas janelas, é premente repensar a autoria dos conteúdos,
a multiplicidade das narrativas audiovisuais e a representatividade da mulher
nos filmes e séries. São novos tempos e as mulheres estão clamando por espaço
em tela e atrás das câmeras na direção, no roteiro, na produção, na
distribuição, na direção de fotografia, na ficção, no documentário, na
animação, na direção de arte, na montagem, na atuação e outras funções. Cinema é
força transformadora, política, onírica. Tornando o movimento feminista no
cinema mais e mais complexo, impossível deixar de lado as questões do feminismo
interseccional. As correlações entre as questões de gênero, raça e classe não
podem ser evitadas. Erguem-se as vozes das mulheres negras e de outras etnias,
das mulheres lésbicas, das mulheres trans. O cinema como espaço de combate à
invisibilidade, à desigualdade e à opressão.
E neste contexto nasce o FIM - FESTIVAL INTERNACIONAL DE
MULHERES NO CINEMA. Não por acaso, traz, nesta primeira edição, mostras
competitivas nacional e internacional de longas-metragens exclusivamente
dirigidos por mulheres, duas mostras especiais que abordam a resistência e a
persistência feminina, além de atividades de formação e debate.
O filme de longa-metragem é espaço de poder na indústria do
cinema. A direção é espaço de poder na indústria do cinema. Quem são as
mulheres no Brasil e no mundo ocupando tal espaço? Que filmes estão produzindo?
Que inovações de linguagem estão propondo? Como amplificar suas vozes?
A parceria com a Associação Cultural Kinoforum surgiu por
convergência de sentidos. A instituição realiza o consagrado Festival
Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo e foi pioneira ao dedicar espaço
para a circulação e valorização de curtas-metragistas mulheres por meio da
mostra Feminino Plural. Soma sua sólida atuação ao FIM, apoiando o
fortalecimento de novos talentos femininos, agora do curta ao longa. Faltava,
no calendário de festivais da cidade de São Paulo, um espaço dedicado
especialmente à produção recente de longas-metragens femininos como universo de
difusão, pesquisa, ativismo.
Aqui no Brasil, os números da participação da mulher no
audiovisual demandam ações e políticas concretas. Entre os filmes nacionais
lançados comercialmente nas salas de cinema do país em 2017, apenas 21% foram
dirigidos por mulheres, embora 51,5% da população brasileira seja do gênero
feminino. E mais: segundo recente levantamento de dados de gênero e raça
publicado pela Agência Nacional do Cinema – Ancine, nenhum filme brasileiro,
dentre os 142 títulos lançados comercialmente em 2016, foi dirigido por
mulheres negras. Isso mesmo. Nenhum filme. Isso merece um fim.
Sonho com o dia em que todos os festivais, editais, salas de
cinema, telas de tv e dispositivos móveis sejam ocupados de forma equânime por
criações de mulheres, homens, cis e transgêneros de todas as etnias: o cinema
como espaço de múltiplas expressões, imaginários, linguagens e narrativas.
O FIM chega para somar-se a tantas outras iniciativas que
lutam por novos tempos para as mulheres no audiovisual. A meta parece simples:
50% dos filmes brasileiros lançados nos cinemas dirigidos por mulheres. Apesar
de toda a movimentação e dos avanços alcançados nas políticas públicas e nas
agendas da sociedade, ainda falta uma estrada a percorrer. Até lá, vale
conferir os filmes, cuidadosamente selecionados pela curadoria nesta primeira
edição do Festival, e a singularidade das talentosas cineastas aqui reunidas.
Anunciam nas telas o fim da sub-representatividade das mulheres no cinema. O
tempo é agora.