Crítica Elviras: Paraíso Perdido
PARAÍSO PERDIDO
Por Amanda Aouad
Há um estranhamento no filme de Monique Gardenberg. Tal qual as músicas que embalam a trama, suas personagens são estereótipos exagerados, com emoções à flor da pele. A atmosfera é over, a estrutura é over e há uma costura narrativa que não parece se encaixar em vários momentos. Apesar disso, ou mesmo por isso, a experiência da obra é fascinante.
Quase todo ambientado na boate Paraíso Perdido, comandada por José, personagem de Erasmo Carlos, chefe de uma família de artistas. Seu filho, Angelo (Julio Andrade) e seus netos Celeste (Julia Konrad) e Ima (Jaloo) se apresentam no palco toda noite, junto com o cantor, Teylor (Seu Jorge) que, de alguma forma, quer entrar para a família. A rotina é alterada quando Ima apanha na rua por estar transvestido e José contrata o policial Odair (Lee Taylor) como segurança do neto. Com uma mãe surda por espancamento, ele aceita o segundo emprego, mas não imagina o quanto estaria envolvido com aquela família.
A violência contra a mulher é um dos temas mais fortes da trama, diluído em quase todas as personagens, vai sendo abordado nas mais diversas visões. Além do caso da mãe de Odair, Eva, a outra filha de José vivida por Hermila Guedes, está presa há vinte anos por matar o pai de seu filho que a agrediu. Celeste também sofre com um relacionamento que, a princípio, parece abusivo. E Ima, apesar de dizer que adora ser homem, por se transvestir no palco, acaba também experimentando as opressões que mulheres sofrem.
Sua personagem traz ainda a questão do preconceito e mesmo da incompreensão de uma sociedade conduzida pelo sistema cis binário, em uma relação conturbada com o jovem Pedro, interpretado por Humberto Carrão, que não sabe exatamente o que sente por ele. A construção da relação dos dois é estranha, mas tal qual todas as outras relações da trama, a diretora e roteirista Monique Gardenberg não parece querer julgar nem construir uma curva maniqueísta tradicional. Não há vilões, não há mocinhos nessa estranha trama, há pessoas que amam demais.
O espírito da música brega, que embala a boate e os shows, transparece nessas histórias de amor rocambolescas que vão se entrelaçando e se explicando de uma maneira natural, ao mesmo tempo que sem sentido. Porém, paradoxalmente, trazem verdade. As personagens parecem pulsar em tela, com toda a paixão que lhes é peculiar. Em cores fortes e ritmo onírico com uma espécie de glamour reverso no exagero do próprio estilo.
O elenco embarca com vontade na proposta da trama e parecem se divertir em cena, mesmo que muitas das personagens não sejam aprofundadas, circulando em cena como peões de uma peça mal acabada. E tudo isso parece fazer parte do jogo, parece funcionar com a proposta de estranhamento e encantamento. Cria-se uma empatia pelo ridículo e muitas situações parecem completamente fora de propósito, mas constroem um sentido maior dentro da dinâmica da obra, como a cena final que é simplesmente absurda e bela ao mesmo tempo.
Paraíso Perdido não é um filme de signos fáceis. Se não embarcar na proposta de Gardenberg tende-se a julgar o que se vê em tela como mal feito ou de mal gosto. Mas é possível embarcar nessa estrutura rasa do amor exacerbado que não tem medo de se expor ao ridículo e simplesmente pulsa de acordo com o ritmo. Uma experiência adoravelmente estranha.
Crítica originalmente publicada no site Cine Pipoca Cult.