Crítica Elviras: Então Morri
ENTÃO MORRI
Por Juliana Melo
Bia Lessa e Dany Roland trazem ao Festival Internacional de Mulheres no Cinema - FIM o longa Então Morri, uma mistura de documentário e ficção cuja narrativa segue a vida de uma mulher, desde seu nascimento até sua morte. Essa mulher é representada no longa por diversas mulheres em diversos locais do país, sempre em condições e localidades humildes, em diversas etapas de sua vida.
Bia Lessa diz que a ideia do filme se inspira no teatro, onde a diretora iniciou sua carreira, e como a representação teatral reflete um comentário humano sobre a vida. Com Então Morri - e suas diversas representações da vida e da morte por meio de todas essas mulheres na tela - a diretora rompe com as expectativas lógicas e narrativas no mesmo sentido em que a vida rompe as nossas expectativas e planejamentos. As filmagens ocorreram ao longo de 20 anos, nos quais Lessa e Roland acompanharam as vidas de seus sujeitos em estilo documental. As imagens geradas foram montadas de forma a criar uma narrativa como um flashback de uma vida, representada por várias vidas reais.
Então Morri é um filme-experiência. O espectador é constantemente provocado a refletir e relembrar sua própria vida, sua história, suas lembranças. Os movimentos de câmera que seguem os sujeitos em primeiro plano, aliados aos momentos contemplativos, em que se foca em pequenos detalhes, um objeto, uma lágrima, um tecido, remetem à maneira como memórias são construídas em nossa mente. Mas, para além do privado, o filme apresenta um reflexo do Brasil e da mulher brasileira em suas diversas formas. Estão presentes momentos como o desespero de perder um marido e companheiro de décadas, a ansiedade que antecede um casamento e o medo de que algo possa dar errado, uma derrota frustrante em um show de talentos, um encontro com a maternidade. Também são explorados temas como a relação com a religiosidade, com a tradição e com as quebras de paradigmas. Essas muitas mulheres, cujas vidas são aqui unidas como uma só, compõe um mosaico do Brasil e suas diversidades.
Primeiro longa-metragem documental da carreira de Lessa, que colabora aqui com seu marido, o músico Dany Roland, Então Morri tem a sorte da qualidade do teatro que possui a diretora. A ideia central do longa é bem definida, mas Lessa apresenta a coragem de permitir que aspectos do longa se desenvolvam por conta própria, abraçando as idiossincrasias da vida e do cinema. Desde a cena inicial, onde mulheres organizam e realizam o funeral de uma idosa, já deixa clara a conexão com o feminino e o matriarcal, a tradição passada por gerações de mulheres e meninas. Forte e impactante, oferece a tônica que irá permear todo o longa.
Então Morri apresenta uma perspectiva única que convida o espectador à memória de si, a refletir sobre viver e morrer. É uma experiência singular, uma oportunidade de apreciar um delicado trabalho de muito primor, que abre os horizontes sobre os parâmetros do cinema e convida ao debate.