Crítica Elviras: Diário da Minha Cabeça
DIÁRIO DA MINHA CABEÇA
Por Letícia Magalhães
Benjamin Feller matou os pais.
Antes disso, entretanto, ele fez uma última lição de casa e enviou-a pelo correio para sua professora de francês. A professora Esther Fontanel, interpretada por Fanny Ardant, havia pedido que os alunos escrevessem diários contando como havia sido a semana deles. Alguns alunos foram sérios e profundos, outros foram tão breves quanto um boletim do tempo. Benjamin (Kacey Mottet Klein) tentou justificar o crime, tendo a certeza de que a professora seria a única a compreender sua motivação.
É exatamente a ideia de que a professora poderia entender a motivação do crime que intriga o juiz do caso, Mathieu (Jean-Philippe Écoffey). Ele passa a questionar se Esther pode ter, de alguma maneira, influenciado Benjamin a tomar tal decisão, através de alguma leitura em sala de aula ou de algum conselho dado em particular ao aluno. De repente, ela está tendo até seus métodos pedagógicos criticados por um investigador: afinal, por que ela faz os alunos escreverem sobre suas vidas quando poderia dar lições mais produtivas, por exemplo, indicando a boa e velha leitura de Rousseau?
O filme pode gerar várias discussões. Uma delas diz respeito a distúrbios psicológicos. Em geral, muitos terapeutas recomendam que seus pacientes mantenham diários para que, através deles, possam expressar seus sentimentos, possibilitando uma visão contínua do que passa por suas cabeças, através das próprias palavras. Benjamin tem algo que vai além do complexo de Édipo ou da raiva adolescente dirigida aos pais antiquados. Nem eu nem o filme decidimos dar um palpite de diagnóstico, mas um distúrbio existe.
A diretora Ursula Meier mostra domínio das técnicas cinematográficas e não tenta nada de muito ousado, embora a imagem dos cadáveres possa chocar algum espectador mais sensível. Ela usa outra vez seu pupilo Kacey Mottet Lein, de Home (2008) e Sister (2012), dando ao menino ares confusos, mas não sombrios. Assim como em diversos filmes sobre crimes, há flashbacks com voiceover, em geral de Benjamin lendo seus escritos e repassando aqueles dias fatídicos que antecederam o crime.
No começo dos anos 1930, quando o cinema sonoro era ainda recente, era comum que os filmes durassem por volta de 70 minutos. Uma hora e dez minutos é a duração exata de Diário da minha cabeça. Este tempo é mais do que suficiente não apenas para contar uma história real, mas para propor um exercício de empatia. O que você faria no lugar de Esther, como uma professora que, de repente, se vê tão envolvida com a vida e a atitude de um aluno, com algo que jamais aconteceu antes?
Fanny Ardant trabalhou com François Truffaut, Paolo Sorrentino, Alain Resnais, Ettora Scola, Claude Lelouch – foi aluna de todos os mestres, de modo que sabe bem interpretar uma mestra. Hoje ela escreve e dirige seus próprios filmes e constantemente atua sob a direção de mulheres, e está aí o segredo para permanecer trabalhando e com bons papéis. A diretora e roteirista Ursula Meier já havia trabalhado com Isabelle Huppert e Léa Seydoux, e agora foi a vez de dirigir outra estrela francesa e mostrar que o brilho nos olhos negros e o talento de Fanny Ardant estão longe de se apagar.