Crítica Elviras: Vergel
VERGEL
Por Pâmela Baltazar
Existem várias fases durante o processo de luto. E várias reações que nos permitem sobreviver a esse momento. O que Kris Niklison possibilita durante os 86 minutos de Vergel é um encontro desse processo com a natureza, feminilidade e burocracia em uma espiral de descobertas.
Atriz, coreógrafa e diretora teatral, Niklison é responsável não apenas pela direção do longa-metragem, mas também pelo roteiro, fotografia e um pouco de sua ambientação e montagem. Gravado em um pequeno apartamento, a trama acompanha uma brasileira (Camila Morgado) que, durante viagem de férias à Argentina, perde o esposo em um acidente de carro. Enlutada, ela precisa permanecer em Buenos Aires, resolver os trâmites para o translado do corpo e lidar com suas emoções imediatas. A obra é um drama intimista, calcado nos silêncios, nas cores presentes no apartamento e nas expressões de Morgado.
A atriz realiza uma entrega integral. Sua personagem está afundada na dor da perda e, mesmo que não haja palavras ditas que sinalizem isso, as expressões no corpo da atriz e no seu olhar perdido evidenciam sua situação. É como se a personagem estivesse em suspensão da realidade e tudo isso é apontado no decorrer da narrativa de forma sutil. A trama se passa inteiramente num apartamento, com uma varanda repleta de plantas e é dali que a câmera observa discreta e atentamente o desenrolar do luto. É neste quadro, também, que a personagem de Morgado vislumbra a cidade, sem nunca se aproximar ou intervir na paisagem, como se estivesse suspensa de forma geométrica e não apenas existencial.
Neste processo, é necessário lembrar que a reação à perda pode, muitas vezes, ressaltar o que há de mais primitivo no ser humano e Niklison acentua esse fato entre os rompantes de raiva cortante e profunda tristeza da protagonista, tendo sempre as expressões corporais e o silêncio como seus aliados. Assim, o filme assume uma forte intensidade emocional, que aponta variantes dentro do processo de luto. A capacidade destrutiva, que instintivamente ele denota, abre espaço para uma eventual liberdade. Liberdade que não questiona, não se impõe, não agride, apenas vai se estabelecendo lentamente e permite senti-la orquestrar uma saída criativa, mesmo em tamanha dor.
É na representação da vizinha do andar de baixo que essa liberdade toma forma, mesmo que não completamente. Pouco a pouco ela invade a vida da personagem de Morgado e se torna um suspiro de vida em meio a angústia que o plano detalhe evoca da figura. O olhar prosaico e as colocações energicamente positivas da personagem de Maricel Alvarez vão dando sentido as cores que afundam Morgado e esvaindo as sombras que frequentemente envolvem seu rosto.
Se o silêncio é uma das armas principais para que a trama de Vergel se intensifique, é a escolha estética que alcança a plenitude dessa sensação. A abordagem plástica utiliza-se das cores e das sombras para contar a história, especialmente na primeira hora. Os tons intensos de amarelo, vermelho e o verde das plantas entram em cena e denotam vida enquanto a personagem parece enfrentar contemplativamente a dor e a morte. Há um choque pulsante entre as cores e os planos detalhes que enriquecem as decisões da personagem, que podem soar conflitantes para alguns, mas são compreensíveis quando se observa todo o espetáculo visual que há na tela. São essas mesmas cores que salientam a transição da protagonista no decorrer de seu luto.