Crítica Elviras: Jovem Mulher
JOVEM MULHER
Por Marina Paulista
A primeira palavra de Jovem Mulher, da estreante Léonor Serraille, é um grito. Somos apresentados a Paula (Laetitia Dosch), protagonista que aprenderemos a amar nos 97 minutos seguintes, enquanto esta berra a plenos pulmões e soca a porta do apartamento que costumava dividir com o ex-namorado, chegando ao extremo de bater a própria cabeça contra a madeira e ir parar no hospital – onde outro surto obriga o médico a recorrer a sedativos e amarras para conter a paciente.
Paula acaba de chegar em Paris depois de um longo tempo longe da França. Rejeitada pelo namorado de longa data, sem dinheiro, emprego ou lugar para morar (ou pelo menos para dormir por uma noite), ela vaga pelas ruas parisienses ao lado da gata Muchacha, animal que se transforma no único souvenir de um relacionamento em ruínas. Tentando juntar os cacos de sua vida, ela busca reatar laços rompidos há muito tempo com sua mãe, procura solidariedade em velhos amigos e se vê forçada, pela primeira vez, a se preocupar com o próprio futuro e encarar a vida adulta.
O enredo traz pouco mais do que os desafios de simplesmente amadurecer e sobreviver, mas é no cuidadoso estudo de personagem que o filme brilha. A performance de Laetitia Dosch é simplesmente impecável, e demonstra uma entrega completa à sua jovem mulher fictícia. Paula não é uma pessoa fácil: ela pode ser extremamente problemática, desagradável e imatura. Mas, além da identificação quase automática do público com qualquer personagem que esteja tentando superar uma situação difícil, Dosch faz de Paula uma figura extremamente honesta e engraçada, de maneira que é praticamente impossível não criar empatia e torcer para que a moça consiga, enfim, encontrar seu lugar no mundo.
Enquanto Paula aceita empregos e a ajuda de estranhos para se manter em pé, vislumbramos a vida que não chegamos a testemunhar, o período de calmaria. O desfecho, particularmente, joga uma nova luz em todo o comportamento errático e autodestrutivo da personagem: o relacionamento que desencadeia o caos psicológico de Paula, na verdade, parece ter contribuído muito para a imagem distorcida que ela demonstra ter de si própria.
Descobrimos eventualmente que o tal ex-namorado foi seu professor quando ela tinha acabado de sair da adolescência, um parceiro muito mais velho que não parece esconder sua presumida superioridade profissional, intelectual e financeira sobre a jovem. Sua fama como fotógrafo famoso vem de uma foto tirada de Paula, porém ele a enxerga simplesmente como uma ferramenta a ser usada para seu sucesso artístico. Seu tom é sempre condescendente, o olhar é sempre carregado de um ar de desdém; como Paula poderia amadurecer ficando anos sob a manipulação de um homem que, no terço final do filme, prova ser capaz até de tentar estuprá-la?
No fim, o surto dos minutos iniciais toma um novo significado. A ruptura é dolorosa e o crescimento demora a chegar, mas resta o conforto de que Paula está, finalmente, aprendendo a caminhar com as próprias pernas. Léonor Serraille merece sua Câmera de Ouro - prêmio dado pelo Festival de Cannes a diretores estreantes - e muito mais; Jovem Mulher é um filme tão divertido e autêntico quanto sua problemática protagonista.
Crítica originalmente publicada no site Plano Detalhe.