Crítica Elviras: Exilados do Vulcão
EXILADOS DO VULCÃO
Por Emanuela Siqueira
A memória como referência do que já foi, os objetos e as imagens como documentos para que essa memória se construa e se mantenha firme – mesmo depois do fim – são os elementos norteadores de Exilados do Vulcão, de Paula Gaitán.
A memória é a única forma de um fotógrafo (Vincenzo Amato) existir depois de ser diagnosticado com um tumor no cérebro e temer o esquecimento completo de seu presente e passado. Não apenas memórias simples expostas nas imagens enquadradas com o passar dos anos, mas memórias daquelas que ele amou e deixou de amar, das mulheres e espaços onde seu corpo esteve. A amante narradora (Clara Choveaux), ao salvar um caderno de notas e algumas fotos, passa a percorrer os lugares fotografados, tentando associá-los com as palavras soltas no papel. Longas cenas com enquadramentos bem definidos e trilha sonora incisiva compõem uma espécie de balé de imagens repletas de significados e silêncio humano.
Com um histórico no cinema experimental e nas artes visuais, em Exilados do Vulcão Paula Gaitán prioriza a narrativa estética de um roteiro escrito em favor da imagem e da performance. Em várias cenas aparece, em meio a pilhas de livros, o nome do diretor iraniano Abbas Kiarostami, o mestre do silêncio e dos enquadramentos em planos abertos ou dos planos fechados nas expressões de personagens que pouco dizem com as palavras, mas muito com o corpo. E é com essa inspiração em grandes produtores de imagens, como diretores e fotógrafos, que Gaitán faz a opção de trabalhar com uma narrativa imagética que tira o espectador de sua zona de conforto.
Há várias dicotomias exploradas em Exilados do Vulcão, mas a principal é a de ausência/presença em que a memória e a captura da imagem disputam entre si a fidelidade sobre a identidade do homem à mercê do esquecimento. A direção de arte e fotografia do longa se esforçam para trabalhar nessa construção metafórica de um roteiro pouco convencional, livremente baseado no romance “Sobre a Neblina”, de Christiane Tassis. Apesar das direções trabalharem bem na forma estética, é inevitável um certo estranhamento diante das colocações existencialistas da dupla protagonista e suas relações com as outras personagens que circulam pela narrativa sem muitas conexões. De forma praticamente onírica as cenas transcorrem – belíssimas, com certeza – sem muitas explicações, apenas através da sinestesia.
Paula Gaitán é artista plástica e começou no cinema fazendo direção de arte em Idade da Terra (1980). Em Exilados do Vulcão não entrega um filme que coloca o espectador em uma situação de passividade diante da narrativa, mas sim propõe questionamentos que ativam a memória de imagens de quem assiste. Optando pelo experimental, ela balança o espectador de sua cadeira confortável, o levando a prestar atenção nos planos, na cena, nas referências e, principalmente, colocando seus próprios sentimentos em jogo. Exilados do Vulcão não é um filme passivo, mas sim uma experiência estética.
Crítica originalmente publicada no site Quadro por Quadro.