Crítica Elviras: Amor Maldito
AMOR MALDITO
Por Amanda Aouad e Cecilia Barroso
Primeira mulher negra a dirigir um filme no Brasil, Adélia Sampaio não encontrou caminho fácil em sua trajetória. Seu primeiro longa-metragem, Amor Maldito, foi ameaçado de não estrear e chegou a ser considerado pornográfico. Acabou recebendo o reconhecimento da crítica da época e ficou quase oito meses em cartaz, mas caiu no esquecimento histórico, só sendo resgatado recentemente, ainda que sem uma cópia restaurada.
Inspirada em um caso verídico, Amor Maldito conta o drama de Fernanda, uma mulher homossexual injustamente acusada de assassinar sua companheira Sueli, que tinha, na verdade, se suicidado. Todo o tom over do filme busca construir no espectador essa sensação de absurdo da situação, seja nas cenas da família da jovem falecida, que é evangélica, ou durante o tribunal que julga a acusada.
Embora muito do que se veja seja facilmente associado ao período, com a trilha sonora persistente, cores marcantes, flashbacks oníricos e enquadramentos específicos, é dar vida a uma situação pouco usual que está o maior mérito da obra. Em uma época em que relações homossexuais eram ainda mais marginalizadas, ou mesmo invisibilizadas, como no caso do relacionamento lésbico, dar-lhe voz e levar seu drama a sério, sem fetiches ou gratuidade, era algo incomum.
Em 1984, ano de lançamento do filme, havia uma tendência no cinema brasileiro que privilegiava a erotização, mas ela é refutada por Adélia, que prefere destacar a diferença e o preconceito com que Fernanda é tratada por uma sociedade que é incapaz de aceitar o que diverge do padrão então estabelecido. Ao colocá-la como vítima de uma injustiça e exagerar o tom daqueles que a acusam, constrói-se a empatia pela protagonista quebrando possíveis estranhamentos e julgamentos preconceituosos em relação a sua sexualidade.
Ainda que boa parte do filme se concentre no julgamento, tendo inclusive, frases retiradas dos autos originais, o roteiro não-linear busca construir Fernanda e seu conturbado relacionamento com Sueli para além do crime, aprofundando suas personalidades e trazendo camadas para ambas que não são apresentadas de maneira maniqueísta, ainda que se procure sempre o lugar de vítima para Fernanda.
O maniqueísmo, porém, está presente na construção da família evangélica de Sueli, principalmente na figura de seu pai, interpretado - muito bem - por Emiliano Queiroz, um pastor hipócrita que vê o demônio na filha, mas não consegue ver os próprios defeitos. Toda a dinâmica familiar está um tom acima, exagerado, em posicionamento claro de embate ao que representa, o que não deixa de ser corajoso enquanto postura política.
Mesmo que não seja uma obra perfeita, esse movimento pelo resgate de Amor Maldito é fundamental para a história do cinema nacional. Principalmente pela força de representatividade que traz por trás das câmeras e imprime na tela. É importante que seja conhecido e debatido por toda uma nova geração de cineastas e críticas de cinema que hoje se apresenta e chega para ocupar o lugar que sempre deveria ter tido.